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POVO QUE NÃO TEM VIRTUDE

ACABA POR ESCRAVIZAR

                                             “Mas não basta pra ser livre

                                               Ser forte, aguerrido e bravo

                                            Povo que não tem virtude

                                              Acaba por ser escravo (…)”

                                                                Trecho do Hino do Rio Grande do Sul.

 

    

      A partir da problematização desse trecho, do hino racista do Rio Grande do Sul, abrimos o ponto sobre a justificativa do tema do ENUDSG 2016.

 

      O imaginário coletivo que se criou sobre o pampa e o gaúcho diz respeito a uma região extremamente branca, onde a presença de pessoas negras, indígenas e elementos destas culturas são praticamente inexistentes. Não por acaso, trata-se de uma construção histórica e política, que enaltece a história do gaúcho e do povo do Sul, como sendo majoritariamente branca e eurocêntrica  em detrimento das culturas indígenas e negras.  

 

         Apagamento histórico, invisibilização e RACISMO.

      Quem nunca escutou na mídia hegemônica ou até mesmo nos livros didáticos, por exemplo,  que a cidade  de Pelotas (cidade vizinha de Rio Grande) é famosa pelos doces, herança portuguesa, charque e pelos barões. Tudo que aprendemos sobre a cultura gaúcha e do Sul do Brasil, diz respeito aos elementos herdados da Europa, criando assim, O imaginário de um lugar de colonização europeia, em que a branquitude marca os corpos e os costumes locais.

 

       Pouco ou nada se fala das contribuições dos povos colonizados.  A construção social, identitária e cultural do Rio Grande do Sul é racista. Muitos elementos da própria composição da figura do “gaúcho” são, na verdade, herdados da cultura africana e indígenas trazida pelos escravizados e povos originários, que viviam nessa região, como por exemplo: elementos das danças típicas, culinária e até mesma da famosa bombacha.  Se andarmos por Pelotas e Rio Grande notaremos que essas cidades têm muita gente negra. A  exemplo de outras cidades do Brasil, essa população majoritariamente não está no centro e nas áreas “nobres” e sim nas periferias e bairros afastados.  O s descendentes do povo que morreu e ainda morre,  e deu o sangue pra construir os casarões e prédios históricos, não tem acesso a eles e muitos/as nem tem acesso a uma moradia digna. Realidade que não é muito diferente do resto do Brasil. Esse discurso e a construção cultural racista se manifesta de diferentes maneiras, inclusive por meio de preconceito contra as religiões de matriz afro. Em Rio Grande, atualmente, existem cerca de duzentos e cinquenta terreiros. Desses, em torno de setenta por cento, tem práticas do culto religioso umbandista.  Além de Racista a cultura do Sul se constituiu enquanto sexista, misógina e LGBTfóbica. Haja vista a figura da prenda que subalterniza a posição da mulher na sociedade. Essa construção social não é imparcial, subjuga, animaliza e contribui para política de extermínio da juventude da população negra, indígena e LGBT.

 

       Passados 171 anos do Massacre dos Porongos, os Lanceiros Negros, valente tropa formada por escravos de fazendeiros e senhores das charqueadas sulinas. Com a promessa de lutar pela liberdade, foram traídos e dizimados pelo exército do imperador Pedro II que vitimou entre 600 a 700 negros farroupilhas, a chacina foi resultado de um traiçoeiro acordo entre um chefe dos farrapos Davi Canabarro e o comandante do exército imperial, Duque de Caxias. Tal divulgação do fato, pouco conhecido pela população brasileira, vem questionar a figura de Canabarro, sempre apresentado como um dos heróis da Revolta pelos historiadores oficiais. Já sobre Caxias, nenhuma novidade. Sua fama de carniceiro é bem conhecida, o povo paraguaio que o diga. Na guerra travada contra o Paraguai, entre 1864 e 1870, ele lá esteve liderando o genocídio de 76% dos habitantes daquele país. Tudo em nome do capitalismo inglês, de quem o império brasileiro era lacaio, nada de diferente de hoje, onde ainda somos reféns de políticas liberalistas que fomentam a desigualdade social e sustenta o genocídio do povo preto pelo estado fardado.

 

          Em a frente a recortes,  diante a genocídios.

 

     Segundo o site da campanha Racismo Mata, o termo GENOCÍDIO refere-se a crimes que tem como objetivo a eliminação da existência física e simbólica de determinados grupos, em razão da origem étnica, racial e/ou religiosa.

 

       Na resguarda um trágico passado, calcado, sobretudo, em um infamante derramamento de sangue. São 516 anos de um extermínio desenfreado aos povos indígenas. Tal tragédia universal consubstancia-se expressivamente na forma de um verdadeiro holocausto efetuado dentro do território, com o escopo de formar uma nação. Ao longo desse drama, inúmeras vidas foram ceifadas, instituições foram subjugadas, assim como as viabilidades econômica e cultural desses povos foram rompidas. Semeiaram-se, de fato, os germes da violência e do sofrimento em grande escala. Esse episódio de barbárie remonta às memórias longínquas e repulsivas de um genocídio, que, a contragosto, ainda se perpetra na contemporaneidade. Salientamos, desde logo,que a população indígena ainda é vítima de violência e brutalidade, amargando profundamente as políticas de assimilação e desapropriação, bem como padecendo com a remoção ou realocação forçada, a negação do direito à terra, e sofrendo, inclusive, com os impactos causados pelo desenvolvimento frenético e com os abusos cometidos pelas forças do Estado e discriminação desta população.

        Segundo o site Anistia Internacional, em 2012, 56.000 pessoas foram assassinadas no Brasil. Destas, 30.000 são jovens entre 15 a 29 anos e, desse total, 77% são negros. A maioria dos homicídios é praticado por armas de fogo, e menos de 8% dos casos chegam a ser julgados.

Nos dados obtidos do Grupo Gay da Bahia (GGB), atualizados diariamente no site QUEM A HOMOTRANSFOBIA MATOU HOJE, 318 LGBT foram assassinados no Brasil em 2015: um crime de ódio a cada 27 horas: 52% gays, 37% travestis, 16% lésbicas, 10% bissexuais. Em 2015, o Disque 100 recebeu quase 2 mil denúncias de agressões. Desde o início de 2016, mais de 150 mortes registradas de LGBTs. Brasil se tornou o país que mais mata trans no mundo depois de registrar 604 assassinatos entre janeiro de 2008 e março de 2014 e é o que mais consome pornografia de pessoas trans e travestis, um limiar entre a hipersexualização, fetichização e que conclui-se em ódio.

          A violência de gênero no país possuem dados alarmantes, o Brasil tem a taxa de quase 5 homicídios por dia para cada 100 mil mulheres, a quinta maior taxa do mundo, conforme dados da Organização Mundial da Saúde que avaliaram um grupo de 83 países, contudo os homicídios de mulheres negras aumentaram 54% em dez anos no nosso país, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Enquanto, no mesmo período, o número de homicídios de mulheres brancas caiu 10%, saindo de 1.747 em 2003 para 1.576 em 2013. É o que aponta o Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil, estudo elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

     Alguns estados chegam a limites absurdos de vitimização de mulheres negras, como Amapá, Paraíba, Pernambuco e Distrito Federal, em que os índices passam de 300%. Tendência histórica que evidência um lento, mas contínuo, aumento do flagelo vivido pelas mulheres negras no país. Esse extermínio ocorre em todos os estados que se caracteriza como um traço cultural do patriarcalismo que se afirma na cultura da violência, do estupro, da animimalização e hipersexualização sobre os corpos das mulheres, em suma mulheres negras e periféricas.     

Dentre as mulheres e pessoas LGBTs as negras são as que mais estão expostas a violência e consequentemente as maiores vítimas desse projeto genocida patrocinado pelo Estado Brasileiro, sobretudo  devido ao lugar social que estas ocupam em um país marcada pela desigualdade social e opressão estrutural.

Ainda que muitas pessoas acreditem que o racismo se manifeste individualmente, operando apenas nas relações interpessoais, a história demonstra que essa não é uma questão restrita ao âmbito individual. Historicamente, o povo negro vivencia condições de vida muito inferiores aos de pessoas brancas. Mesmo quando comparadas/os à parcela da população branca e pobre, em geral, as/os negras/os e pobres se encontram em situação muito pior. Isso pode ser facilmente ilustrado por indicadores sociais, como os que apontam que 73% da população mais pobre é negra; 79,4% de pessoas analfabetas são negras; 62% das crianças que estão fora da escola são negras; em média a renda de negros é 40% menor que a de brancos.

 

Frente a esse contexto, em termos normativos, a própria Constituição Federal de 1988 traz alguns preceitos antidiscriminatórios, entre os quais pode-se destacar o reconhecimento de que o Brasil seja um país de pluralidade étnico-racial; o respeito ao princípio da isonomia e da não discriminação; e o que tornou o crime de racismo inafiançável e imprescritível. Foram criadas, a partir de 2003, a extinta Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR e a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que é baseada, inclusive, em acordos e documentos internacionais. Mais recentemente, houve uma ampliação de políticas afirmativas, fruto da adoção de cotas para pessoas negras em algumas universidades públicas e de medidas como a Lei nº 12.711, sancionada em 2012. Em resposta a pressões da sociedade, foi criado o Plano Juventude Viva, com o objetivo de reduzir a mortalidade de jovens, especialmente jovens negros, por meio do incremento de ações e políticas sociais específicas. No entanto, todas essas ações têm se mostrado limitadas e insuficientes para fazer frente à gravidade do que está se passando em todo o país. É preciso avançar com urgência e conter as mortes de jovens. Também é necessário responsabilizar o Estado brasileiro nas cortes internacionais, a fim de definir formas de reparação e compromissos que o país deve assumir para acabar com o genocídio.
 

     Por essa razão é tão importante que o tema ganhe cada vez mais destaque não apenas nas agendas governamentais, mas também nos diversos espaços de debate da sociedade civil, que seja para além de um recorte em um debate entre os movimentos, mas centralize coletivamente e escancare a vulnerabilidade que a juventude negra, LGBTs negras, a esse corpos colonizados e não padrões que buscam mais dignidade e direito a vida! Na busca por enfrentamentos e politicas, para que estes corpos não sejam objetos de pesquisa de uma sociedade capitalista em colapso e meros dados, mas que seja crescente a expectativa de vida para além 35 anos de pessoas trans e travestis, que diminua os 77% dos assassinatos da juventude negra e que reconheça e respeite o direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional.

Assim se dará o limiar interseccional dos rumos e das perspectivas do XIV ENUDSG para todas e todos!

Comissão Organizadora XIV ENUDSG.
xivenudsg@gmailcom

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